Com 30 anos de história, AMESPBEESP fortalece o quesito de mestre-sala e porta-bandeira em São Paulo

O Observatório dos Casais conversou com Ednei Mariano, presidente e um dos fundadores da associação, para contar o trabalho de preparação e formação dos casais do Carnaval paulistano, realizado logo após os desfiles das escolas de samba


Pavilhão da AMESPBEESP. Foto: Divulgação

Há quem pense que Carnaval é em fevereiro. Grande engano. Depois dos desfiles das escolas de samba, tudo começa de novo, do zero. E no quesito de mestre-sala e porta-bandeira, não é diferente. Para que casais se formem e outros aprimorem seu bailado para o próximo ano, associações especializadas na dança trabalham dias depois dos desfiles para começar um novo ciclo.

Uma dessas instituições é a Associação de Mestres-Salas, Porta-Bandeiras e Porta-Estandartes de São Paulo, a AMESPBEESP. A ideia da criação dessa associação surgiu por meio de uma conversa entre Gabi (lendário mestre-sala do Camisa Verde e Branco) e Ednei Mariano (presidente da AMESPBEESP e também grande mestre-sala do Carnaval paulistano), na Rádio Gazeta, que estava cobrindo o desfile das campeãs de 1994. Nessa ocasião, o radialista Evaristo de Carvalho, que estava mediando a conversa, sugeriu a criação de uma instituição que cuidasse dos casais em SP. 


O debate se originou a partir de uma preocupação: o fato dos passos realizados pelos casais de mestre-sala e porta-bandeira estarem se descaracterizando, ao deixarem de lado elementos com raízes em danças africanas e darem mais destaque à dança do minueto, oriunda do ballet clássico.


Pensando em fazer política a favor do bailado e dos casais na cidade de São Paulo, a AMESPBEESP foi fundada no dia 10 de junho de 1995. 


Acabou o Carnaval. Quais são os próximos passos?


Segundo Ednei Mariano, presidente da AMESPBEESP, os desfiles realizados no Sambódromo do Anhembi e nos bairros do Butantã e Vila Esperança recebem o auxílio da associação, para preparar os casais da melhor forma para o grande momento. Tanto a Liga SP (Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo) quanto a UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas) armam uma estrutura chamada de “galpão-camarim” para que o trabalho com os mestres-salas, porta-bandeiras e porta-estandartes possa ser organizado com o maior conforto possível.


Durante os desfiles, a associação também realiza a identificação dos primeiros casais para os jurados e dão suporte e apoio à dupla até o fim da avenida.


Ednei com o casal da Independente Tricolor, em 2024. Foto: Camila Abade

Ao acabar o Carnaval, escolas e componentes realizam uma pausa nas atividades por alguns dias, para poderem retornar com o projeto seguinte a todo vapor. No caso da AMESPBEESP, Ednei conta que são 15 dias de descanso, voltando com o planejamento do curso de formação de casais para o próximo ano.


Chegando à 27° edição, os cursos de formação para mestre-sala, porta-bandeira e porta-estandarte tiveram inscrições gratuitas, uma vez que foi o primeiro ano de apoio do Ministério da Cultura às aulas – isso gerou ainda mais interesse nos alunos, que esgotaram as inscrições em apenas sete horas. Desde 2023, os cursos acontecem em um dos galpões da Fábrica do Samba, e hoje são separados por salas, “Kids” (crianças), “Juvenil” (jovens até 14 anos), “Iniciantes”, “Intermediário” e “Avançado” (que já fazem parte de escolas de samba e que buscam aprimorar a dança). 


“Nesse processo, a coordenação do curso monta um currículo das aulas, sendo diferente do Kids ao Iniciantes e parecido do Intermediário ao Avançado. Já essa última sala funciona como um laboratório, pois a pessoa já sabe dançar, melhorando as performances dentro do critério de avaliação dos jurados. Fora isso, temos as aulas teóricas, contando a história dos mestres-salas e porta-bandeiras; a ligação da dança à cultura e aos deuses africanos; além das aulas de nutrição e comportamento, para uma melhor preparação para o dia do desfile. Por fim, montamos uma aula de preparação de avenida”, conta Ednei.


Além dos instrutores – todos eles mestres-salas, porta-bandeiras e porta-estandartes em atividade ou que já fizeram parte dos quesitos –,  a equipe de preparação conta com a nutricionista Dra. Dulce Carvalho, a coreógrafa Yaskara Manzini e a preparadora de casais Daniela Renzo, que auxiliam na parte teórica, citada acima. O curso, segundo Ednei, não é avaliado com notas, mas sim de acordo com o comportamento e entrega de cada aluno. 


Com a alta procura dos alunos, a AMESPBEESP, este ano, conta com a inscrição de 125 alunos. Em 2025, as aulas começam no dia 26 de abril, às 13h, na Fábrica do Samba I e a formatura está prevista para acontecer no mês de agosto, com uma festa especial para alunos, amigos e familiares, para celebrar a conclusão e o aprendizado dos novos talentos para os quesitos de mestre-sala e porta-bandeira e de porta-estandarte.


Preparação dos casais pela AMESPBEESP. Foto: AMESPBEESP


A maratona preparatória para o próximo Carnaval


Depois da formatura do curso de formação, a AMESPBEESP não para. A associação realiza outras atividades, como workshops em outros lugares do país e a preparação de casais para o próximo Carnaval. Segundo Ednei, seis casais dos Grupos de Acesso I e II receberam a sua instrução antes e durante os desfiles.


Além disso, a associação auxilia na vistoria com a Liga SP e com a UESP em relação à organização dos jurados do quesito para o desfile do próximo ano. Na UESP, Ednei conta que é o preparador dos jurados de mestre-sala e porta-bandeira, não como o presidente da AMESPBEESP e sim como um mestre-sala gabaritado no quesito. Já na Liga SP, os julgadores não podem ter relação com as escolas, desta forma, a associação auxilia na análise de como o quesito será avaliado na avenida.


A importância da porta-estandarte para o Carnaval paulistano


Até a década de 1970, a cidade contou com importantes cordões carnavalescos, como o Vae-Vae e o Cordão Mocidade Camisa Verde e Branco que, posteriormente, se tornaram as históricas escolas de samba Vai-Vai e Camisa Verde e Branco. Como uma das figuras principais dessas agremiações, havia a porta-estandarte, além do casal de mestre-sala e porta-bandeira, que carregava o símbolo dos cordões nos desfiles. 


Nos blocos de fantasia, organizados pela UESP, o presidente da AMESPBEESP explica que as porta-estandartes eram obrigatórias nos desfiles, porém, não havia um julgamento da performance delas na avenida. Foi então que, em 2014, houve uma conversa com a União das Escolas de Samba Paulistana e três anos depois, o quesito passou a ser avaliado pelos jurados. “Montamos o critério, vendo como elas desfilavam e analisamos que ela tinha que passar pela avenida como uma rainha, pois aqui em São Paulo, a porta-bandeira, diferentemente do Rio de Janeiro, é tida como uma rainha, não podendo nem se abaixar”, comenta Ednei.


Representação da porta-estandarte no desfile de 2020 da escola de samba Vai-Vai. Foto: Divulgação/Vai-Vai


Além disso, o presidente da AMESPBEESP conta que dentro do quesito, é avaliado a roupa, que deve se remeter ao Brasil Colonial. Analisa-se também a dança, que é parecida com a da porta-bandeira, em que a porta-estandarte deve realizar giros horário e anti-horário, com elegância e postura, apresentando o pavilhão para o público e para a cabine de jurados. “O único problema que ela tem é estar solitária, mas, em compensação, ela não terá de dividir a nota com o mestre-sala”, brinca.


Para Ednei, a avaliação da porta-estandarte é muito importante para São Paulo: “todos nós ganhamos com a chegada desse quesito na UESP. A história ganhou, porque valorizamos o estandarte, que é a força do Carnaval paulistano”.


O que se deve ter em mente para se tornar um mestre-sala, porta-bandeira ou porta-estandarte


Novos talentos têm se destacado no Carnaval de São Paulo, como é o caso de Mirelly Nunes, 1° porta-bandeira do Vai-Vai, e Patrick Vicente e Sofia Nascimento, casal do Império de Casa Verde. Para que mais nomes surjam no quesito, é preciso muita determinação e entrega.


Para Ednei Mariano, além de ter uma boa escola de dança, uma pessoa que sonha em ser mestre-sala, porta-bandeira ou porta-estandarte deve ter, principalmente, amor à arte. “Você deve mergulhar nessa arte e incorporá-la, pois é uma interpretação. O mestre-sala e porta-bandeira estão dentro de um teatro vivo ambulante, interpretando. Todos os movimentos da nossa dança têm um significado histórico. Então, para desenvolver melhor isso, você tem que amar”, afirma o mestre-sala.


Além disso, um dos maiores nomes da dança no Carnaval de São Paulo destaca que qualquer um pode ser mestre-sala, porta-bandeira ou porta-estandarte, defendendo que o quesito é democrático, desde que haja uma preparação e respeito pela arte.


A história de Ednei Mariano no Carnaval de São Paulo


Além de ser o presidente da AMESPBEESP, Ednei Mariano tem uma bela história com o samba, sendo um dos principais nomes do quesito de mestre-sala e porta-bandeira. Sobrinho de Pé Rachado, fundador da Barroca Zona Sul e presidente do Vai-Vai por 23 anos, começou como passista da agremiação do Bixiga e por lá criou uma ala de passistas chamada “Samba Show Cuíca de Ouro”. Anos depois, seu tio o incentivou a ser mestre-sala, levando-o para o Rio de Janeiro para ter aulas com Mestre Delegado, um dos grandes nomes da Estação Primeira de Mangueira. 


Ednei teve uma longa trajetória como mestre-sala, passando por escolas como Barroca Zona Sul, Acadêmicos do Tucuruvi, Vai-Vai e Rosas de Ouro, e realizou seu último desfile oficial como mestre-sala ao lado da presidente da Roseira, Angelina Basílio, em 2013, em uma alegoria.


Em 2015, Ednei recebeu o título de Embaixador do Samba, o mais importante da União das Escolas de Samba Paulistanas.


O mestre-sala, em 2024, para homenagear os 50 anos da Barroca Zona Sul, representou o seu tio na comissão de frente, contando a fundação da escola.


Ednei Mariano durante o segundo ensaio técnico da Barroca Zona Sul em 2024. Foto: Kleber Santos

Na última semana, foi anunciado que Ednei Mariano será enredo da Em Cima da Hora Paulistana, escola do Grupo de Acesso de Bairros III da UESP, com o enredo “O Poeta da Dança, Um Legado de Resistência - Mestre Ednei”. 


“Agora, só falta escrever um livro e ser imortal”, brinca Ednei.

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