Por Vitória de Moraes
Quando vemos um casal in loco, no Sambodrómo da Marquês de Sapucaí ou em casa com aquelas fantasias esplêndidas, ficamos curiosos para saber qual o significado da fantasia em que os casais de Mestre Sala e Porta Bandeia estão usando. As escolas do Grupo Especial tem de um a três casais, exceto a Beija Flor de Nilópolis que tem quatro, porém, todos os casais que passaram no Grupo Especial vieram muito bem vestidos tanto no seus ensaios técnicos, tanto no desfile oficial.
Veja a seguir o enredo, o quadro de casais e o significado das fantasias da quarta escola a desfilar no Sambódromo da Marquês de Sapucaí na primeira noite de desfiles do Grupo Especial:
Acadêmicos do Grande Rio
O Acadêmicos do Grande foi a quarta escola a desfilar no dia 11 de fevereiro, no domingo, na primeira noite de grupo especial do carnaval de 2024. A escola de Duque de Caxias, Baixada Fluminense vinha com um enredo "Nosso Destino é Ser Onça", desenvolvido pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora e com a pesquisa da sinopse realizada pelos próprios carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. O enredo era guiado pelo livro de Alberto Mussa, "Meu Destino é Ser Onça: Mito Tupinambá", os carnavalescos conduziram a reflexão acerca da simbologia da onça no cenário artístico-cultural brasileiro, tocando em temas como antropofagia e encantaria.
O quadro de casais contava com dois casais, sendo o primeiro casal formado pelo Mestre Sala Daniel Werneck e a Porta Bandeira Taciana Couto e o segundo casal formado pelo Mestre Sala Andrey Ricardo e a Porta Bandeira Thauany Xavier, além de terem a ala de casais mirins da comunidade.
Primeiro Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira: Daniel Werneck e Taciana Couto
Nome da Fantasia: “Onças Negras sob o Brilho de Túibae”
Criação do Figurino: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Confecção: Atelier Aquarela Carioca
 |
Daniel Weneck e Taciana Couto no desfile de 2024 | Foto: Alex Ferro / RioTur |
O Que Significa:
O Primeiro Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira do Acadêmicos do Grande Rio, Daniel Werneck
e Taciana Couto, expressam o bailar do “mundo inaugural”, quando a escuridão dominava o universo
e o poder do Velho, o criador da humanidade, explodia em poeira cósmica. Um dos poderes
oferecidos pelo Velho aos grandes caraíbas (guerreiros indígenas dos tempos imemoriais) era,
justamente, o de se transformar em onça. Nosso casal, com beleza, força e valentia, defende o
símbolo maior da escola, o Pavilhão tricolor de Caxias. Eis a síntese desse imaginário marcado pela
magia e pelo encantamento! A predominância da cor preta é a tradução das sombras primitivas,
vestígios de uma época inalcançável, quando não havia os raios solares. Os elementos
composicionais das vestes de ambos evocam as roupas cerimoniais dos antigos guerreiros da nação
Tupinambá, com destaque para a arte plumária e para a presença de dentes de onça. Narra o mito,
sob a pena de Alberto Mussa, que “o Velho é Túibae, a primeira constelação que apareceu no céu.”
Sob o brilho etéreo do criador, a dança infinita e o girar do tempo!
Segundo Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira: Andrey Ricardo e Thauany Xavier
Nome da Fantasia: Cerâmica Tapajônica
Criação do Figurino: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Confecção: Atelier Aquarela Carioca
 |
Andrey Ricardo e Thauany Xavier, Segundo Casal do Acadêmicos do Grande Rio | Foto: Nobres Casais |
O que significa:
Alberto Mussa escreveu, na abertura do livro “Meu destino é ser Onça”, que “foi na Amazônia, mais
especificamente na região de Santarém, no Pará, que surgiu, há 8 mil anos, a mais antiga cerâmica
do continente, também das mais antigas do mundo.” Tal cerâmica, também chamada de “cerâmica
tapajônica”, uma vez que era produzida na ampla região do rio Tapajós, guarda os traços
sofisticados de uma civilização ainda negligenciada pelo estudo mais convencional da história do
Brasil, preso às perspectivas eurocêntricas. É impressionante a recorrência de onças ou jaguares
(dois termos para uma mesma ideia) esculpidos em vasos, máscaras cerimoniais, urnas, cachimbos,
panelas e demais utensílios encontrados por arqueólogos. Isso mostra a força dessa simbologia para
os povos que produziram um dos mais impressionantes conjuntos ceramistas do mundo inteiro – o
que é exaltado nas fantasias do segundo casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da Grande Rio.
Ala de Casais de Mestre Sala e Porta Bandeira
Nome da Fantasia: Futuro Ancestral
Criação do Figurino: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Confecção: Não Específicado
 |
Ala de Casais do Acadêmicos do Grande Rio no Carnaval de 2024 | Foto: Nobres Casais |
O Que Significa:
Quando artistas como Olinda Tupinambá e Denilson Baniwa falavam para as novas gerações que o planeta já vivenciou ciclos de fim de mundo (algo miticamente narrado pelos antigos Tupinambá, conforme o que é visto em “Meu destino é ser Onça”), eles mostraram a necessidade de mudar mentalidades e evitar ainda mais mortes e destruições. É por isso que muito é falado hoje, na construção de um “Futuro Ancestral”, título do texto filosófico de Ailton Krenak.
O trecho final do ensaio, intitulado “O coração no ritmo da Terra”, inspira a criação das fantasias dos casais de Mestre-Sala e Porta Bandeiras mirins do Acadêmicos do Grande Rio, crianças e adolescentes no qual o bailado confirmam o real valor do sambista e a certeza de que não se pode construir uma ideia de futuro sem a valorização dos saberes ancestrais.
As fantasias, de notável acento “pop”, conversam a produção artística de Igor Izy, que se autointitula o “Guardião das Onças”. A onça é o grande motivo imagético da produção do jovem artista, que participa de ações em parques nacionais e territórios indígenas. A arte de Izy, marcada pelas cores fortes e pela proposição de imagens de um futuro indígena cuja avançada tecnologia não fere a biodiversidade, também estampa as bandeiras desfraldadas na avenida – manutenção da tradição de convidar artistas de outros círculos culturais para a feitura das “bandeiras mirins”, iniciada no carnaval de 2020. De um lado, o futuro; do outro, a primeira bandeira da escola tricolor: a ancestralidade e a importância de se conhecer a própria história.