Por Vitória de Moraes
Quando vemos um casal in loco, no Sambodrómo da Marquês de Sapucaí ou em casa com aquelas fantasias esplêndidas, ficamos curiosos para saber qual o significado da fantasia em que os casais de Mestre Sala e Porta Bandeia estão usando. As escolas do Grupo Especial tem de um a três casais, exceto a Beija Flor de Nilópolis que tem quatro, porém, todos os casais que passaram no Grupo Especial vieram muito bem vestidos tanto no seus ensaios técnicos, tanto no desfile oficial.
Veja a seguir o enredo, o quadro de casais e o significado das fantasias dos casais da segunda escola a desfilar no Sambódromo da Marquês de Sapucaí na primeira noite de desfiles do Grupo Especial:
Beija Flor de Nilópolis
A Beija Flor de Nilópolis foi a segunda escola a desfilar no dia 11 de fevereiro, no domingo, na primeira noite de grupo especial do carnaval de 2024. A escola de Nilópolis, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, desde a sua fundação, jamais tinha desfilado como a segunda escola de domingo e vinha com um enredo "Um delírio de Carnaval na Maceió de Rás Gonguila", desenvolvido pelo carnavalesco João Vitor Araújo e com a pesquisa da sinopse realizada por Rodrigo Hilário que contava a história de Maceió através da lenda de Rás Gonguila, um personagem importante na folia da cidade Alagoana que se autodeclara descendente do último Imperador da Etiópia, um país no continente Africano. O quadro de casais conta com quatro casais, sendo o primeiro o célebre casal Claudinho e Selminha Sorriso, o segundo David Sabiá e Fernanda Lhove, o terceiro Carlos Muskito e Emanuelle Martins e o quarto Hugo Almeida e Eliana Fidellys.
Fantasia do Primeiro Casal: Dinastia de Zumbi e Dandara
Criação do Figurino: João Vitor Araújo
Confecção: Não Especifícado
O primeiro casal da escola de Nilópolis, o célebre casal Claudinho e Selminha vieram representando Zumbi e Dandara, marido e mulher, líderes do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra na época colonial do Brasil. Alagoas é berço do maior quilombo que existiu na América Latina, o Quilombo dos Palmares. Palmares surgiu no século século XVI, no pé da Serra da Barriga na antiga Capitânia de Pernambuco, no que hoje pertence ao munícipio de União dos Palmares. Mais bem vestidos, impossível.
![]() |
Claudinho e Selminha Sorriso no desfile de 2024 | Foto: Nobres Casais |
Nas palavras do carnavalesco João Vitor Araújo: "Não podemos mais retratar realeza preta com farrapos. Se esses nobres vestiam roupas rotas, foi por conta da maior covardia, da maior barbárie que se pode perpetrar contra uma pessoa, que é escravizá-la. Se usavam trapos, foi contra a vontade deles. Por isso que no Quilombo Beija-Flor, no Mocambo Nilopolitano, Zumbi e Dandara são representados da forma que merecem: como rei e rainha de fato".
Fantasia do Segundo Casal: A Fé Refletida Nos Vitrais
Criação do Figurino: João Victor Araújo
Confecção: Não Específicado
![]() |
David Sabiá e Fernanda Lhove no desfile 2024 | Foto: Nobres Casais |
O mosaico de vidros coloridos, próprio da Igreja Cristã Ortodoxa da Etiópia foi representado na fantasia do Segundo Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Beija-Flor Nilópolis. Os vitrais presentes na saia da Porta Bandeira e na capa do Mestre-Sala foram inspirados nos afrescos das onze igrejas esculpidas em rocha de Lalibela, cidadeberço do cristianismo etíope. Uma dessas igrejas é a de São Jorge, que está cheia de imagens sacras e cenas litúrgicas pintadas nas paredes e no teto, que estão retratadas na vestimenta de David e Fernanda.
Terceiro e Quarto Casais de Metre-Sala e Porta-Bandeira: O Axé do Nosso Chão
O Terceiro e o Quarto casais representam a religiosidade de matriz africana em uma perspectiva cultural diaspórica. Estão num setor em alusão à Beija-Flor, que tradicionalmente reverencia a ancestralidade preta. Nesta circunstância, os casais representam quatro dos mais tradicionais orixás: Ogum e Iemanjá, Xangô e Oxum.
Fantasia do Terceiro Casal: Xangô e Oxum
Criação do Figurino: João Vitor Araújo
Confecção: Não Específicado
![]() |
Emanuelle Martins vinda de Oxum | Foto: Nobres Casais |
O terceiro casal representa Xangô e Oxum. Na época em que Rás Gonguila nasceu, em torno do ano de 1905, o orixá da Justiça, Xangô, era cultuado livremente em Maceió. Até que, em 1912, a capital de Alagos assistiu a uma das mais agressivas ondas de intolerância religiosa que o país já viu, onde vários terreiros foram destruídos e adeptos a religiões de matriz africana foram perseguidos. Esse triste episódio na história do nosso país ficou conhecido como Quebra de Xangô. Por muitos anos, os atabaques dos terreiros foram silenciados. Era a época do Xangô Rezado Baixo. Foi só recentemente, apenas em 2012, cem anos após os massacres, que o governo de Alagoas pediu perdão à todos os terreiros do estado e que a justiça do grande Obá desceu sobre a cidade para dar fim à intolerância. É o Xangô Rezado Alto, a fim que nunca mais exista gira em silêncio.
![]() |
Carlos Muskito vindo como Xangô | Foto: Nobres Casais |
A história foi representada na fantasia do Terceiro Mestre Sala Carlos Muskito, que trouxe em uma de suas mãos o oxê, o machado de duas lâminas de Xangô; e vestiu branco e dourado em respeito a Oxum, o grande amor do Alafin de Oyó. Sincretizada com Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira de Maceió, Oxum, foi retratada na fantasia da Terceira Porta Bandeira, Emanuelle Martins, com uma saia vazada na qual sobressaem os abebés, os espelhos da senhora das águas doces.
Fantasia do Quarto Casal: Ogum e Iemanjá
Criação do Figurino: João Vitor Araújo
Confecção: Não Específicado
A cor predominante no Quarto Casal são as cores Azul, Branco e Prata, cores usadas para representar os orixás Ogum e Iemanjá. O Mestre Sala, Hugo Almeida, representa Ogum, orixá guerreiro e senhor dos metais. Orixá que veste armadura prateada com cruz vermelha de São Jorge nas costas e na capa, a imagem clássica do santo católico: O cavalo acertando o dragão com a lança. O padroeiro da escola de Nilópolis é São Jorge, que é sincretizado com Ogum.
![]() |
Hugo Almeida e Eliana Fidellys | Foto: Nobres Casais |
A Porta Bandeira, Eliana Fidellys, veio representando a orixá feminina Iemanjá, rainha dos mares, mãe de todos os orís, deusa da fertilidade e da maternidade, que representa os mares de Maceió. Na fantasia dela, os maiores destaques foram as conchas, escamas e rabos de peixe na saia, com as imagens de Iemanjá alternadas com a de Nossa Senhora de Glória, uma das santas católicas no qual Iemanjá é sincretizada.